segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Os analgésicos da dor alheia.


Entre o papel,a pasta de escritos e o lápis um pouco mais escuro (visto de longe,poderia ser confundido com um lápis de olho),alguns comprimidos espalhados.Anti-depresssivos de uma existência informal,escondida entre os borrões no olho e na folha.O abandono dos traços,incisivos sobre as olheiras e tão fortes que deixavam o alto relevo no verso da folha - e nos reversos de quem escreve.Os clichês das tristezas e das faltas nunca deram conta,não sentia alívio nem com o sono pesado trazido pelos remédios.A serenidade disposta na sonolência de uma paixão que funebremente atarantava os lençóis do quarto,descompassava as músicas infinitas escolhidas - esses caprichos insólitos que a solidão vai entregando de bandeja.No inventário que fizera para si,nem as piadas ruins se salvavam.bastavam aos dias serem toda essa fortuna de opióides.O cansaço era a única coisa que,repetidamente,lhe fazia uma visita.Os parágrafos escritos ,não acabados,as palavras não terminadas,as cartas não enviadas, o que mais havia para se fazer?Um olhar mais detido,e via-se  nitidamente a pontuação fugir dos escritos,atravessar as possibilidades e também eclipsar as próprias roupas.Era a ressaca da dor.As reticências já não são mais hábito.As vírgulas não pausam e nem separam,os dois pontos não anunciam.A escrita virara pintura.O lápis corria,desenhava o corpo em tatuagens descobertas sob as etiquetas.Fez dos dias-pílulas um clássico da sua própria literatura.Mas vaiava a própria insipidez.Ria-se desmesuradamente da própria desgraça:seu sorriso fingido de alegria,tingido pelo café e pelo cigarro no fim.Sua voz ressequida ressoava uniforme e seu púbere olhar  de languidez embaçava  a tez do mundo velho que ora ficava desarrumado.Chacinava o finito,deflorava o tempo.Não interrompia as inegáveis  intersecções das mudanças de clima,de mês  - os dias-pílulas ainda surtiam o mesmo efeito.As horas não eram mais intervalos.Nem mesmo um trailer expectante do que poderia vir nas próximas.Os analgésicos para a poesia mal acabada.Os olhos oblíquos que dissimulam notadamente,ou que acentuam os traços de Capitu - desde que isso foi escrito,procura-se onde pousaram,desta vez,estes traços.Os novos olhares,ou os sorrisos nervosos que ora explodiam em sua face langorosa.Padecia de insuficiência  da solidão.Desavisava os lábios.Eram tapas consecutivas,para fazer entrar os remédios que entorpeciam o corpo e livravam da vertigem da liberdade.Dissolvidos no próprio sono,na sofreguidão dos dias maleáveis e intransigentemente instáveis,os comprimidos sufocavam a dor ainda mais para dentro de si.Conservava,úmida e avaramente,as palavras escritas entre uma dose e outra,entre um remédio e outro - guardava insidiosamente ,na suspeita de alguém agarrar-se  quela dor.Egoísmo,sofrer a sós.Os analgésicos, de tão arredios e cotidianos,faziam agora parte da dor diária.Não serviam para debelar aquilo que,rebeldemente,insistia no lastro das paredes do quarto.Tornaram-se tão somente um motivo - embora já não mais lembrasse o porque de estar se dopando constantemente.A cada comprimido engolido,uma dose de bebida forte fazia crer.Sobrava,apenas,a dor por si.Escapava a cada tentativa,e escrevia como que num surto.A dor oprime,e se oprime a ela quando não se deixa ir.

(Matheus Rocha.):D

"..os vicios entram na composição da virtude assim como os venenos entram na composição dos remédios.a prudência mistura-os e atenua-os,e deles se serve  utilmente contra os males da vida.."

[François La Rochefoucauld.]:D

  • Palavra do dia: sanidade.
PS: texto do meu primo,escritor e futuro psicólogo que admiro muito ( e cá entre nós,eu achei esse um dos ou o melhor *-* ) Matheus Rocha,e quem quiser conhecer mais textos dele,acessem o seu blog que é super válido: http://infinitoimpaciente.blogspot.com.br/ 
PS do PS: acho que sem mais..beijos e beijos ;*

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